Edgar cuidou de sua família por muito tempo. Especialmente de seu avô, que assim como seu pai, tinha o velho problema da família: Esquizofrenia. Os dois diziam, quando recebiam visitas do jovem, sobre coisas bizarras que os perseguiam. Demônios e seres do tipo, especialmente no asilo onde ficavam internados.
É claro, algo assim sempre soou fantasioso para ele, delírios de mentes que sofriam com a terrível doença... Mas um dia, Edgar teve a prova do que acontecia. Seu avô, na época, faleceu na própria clínica, algo que realmente mexeu muito com o rapaz. Ainda mais pelas palavras de seu pai, culpando-o e culpando todo o resto da família que o manteve preso em tal lugar, pois era óbvio que um dia isso aconteceria.
É claro, algo assim sempre soou fantasioso para ele, delírios de mentes que sofriam com a terrível doença... Mas um dia, Edgar teve a prova do que acontecia. Seu avô, na época, faleceu na própria clínica, algo que realmente mexeu muito com o rapaz. Ainda mais pelas palavras de seu pai, culpando-o e culpando todo o resto da família que o manteve preso em tal lugar, pois era óbvio que um dia isso aconteceria.
Nessa mesma noite, Edgar conseguiu agilizar tudo o que podia para enviar o corpo de seu avô para o IML e não demorar muito para a cerimônia, valendo-se de sua influência como médico cirurgião, e de seus contatos. Essa mesma vantagem auxiliou para a retirada de seu pai do hospital, garantindo que ficaria por sua guarda durante todo o período fora do tratamento.
A noite era chuvosa. Gotas grossas e pesadas, com uma ventania forte o suficiente para causar danos em áreas desprotegidas e moradias precárias. Por azar, seu carro estava no mecânico, e levar seu pai embora em tal tempestade estava fora de cogitação. Mesmo assim, ele aprontou as coisas dele, ajudando-o com as roupas, e o deixou sentado na recepção da clinica.
Ligando para seu irmão, pediu para ele buscá-lo, mas deixou claro que ainda não iria: As palavras de seu pai não paravam de ecoar em sua cabeça, e disso surgia a ideia de que o hospital poderia estar negligenciando seus pacientes, algo que estava disposto a descobrir antes do final da noite.
Em poucos minutos, Alison, seu irmão, chegou até o local, que já começava a ficar vazio, com pouquíssimos pacientes ou funcionários perambulando. Eles tiveram uma breve conversa, sobre a dor de perder seu avô, e após tomarem algumas xicaras de café, decidiram por tomar seus caminhos, Alison levando o pai para sua casa, e Edgar partindo atrás de respostas.
Já passava de oito horas da noite quando ele conseguiu sua primeira chance de falar com alguém da diretoria do hospital. Ele explicou toda a situação, e não se enrolou para informar logo o que desconfiava. O diretor, longe de transparecer preocupação, acalmou o homem, explicando o funcionamento do hospital e suas regras.
“O corpo dessa clinica é integro, assim como viu em suas fichas. São boas pessoas, e posso jurar que o tratamento vai de encontro ás necessidades deles. Sei que não é de grande ajuda o que digo, mas tenha a certeza de que estamos fazendo de tudo para a recuperação de seu pai e seu avô”.
Estressado, Edgar não sabe o que pensar, mas a primeira coisa que faz é pedir desculpas pelo seu comportamento até agora. Mas mesmo assim ele ainda ostenta um ar de preocupação.
“Eu peço desculpas por tudo que fiz, senhor! Eu... Apenas estou nervoso, não queria levantar um falso testemunho contra você ou o corpo da clinica. Peço que me perdoe, se o ofendi.”
O diretor o consola com palavras de ânimo, e até conta sua história de vida, sobre como sofreu com familiares na mesma situação que o pai e avô de Edgar. A conversa dura bastante tempo, e os dois só percebem isso quando já passa das dez horas da noite.
É nesse momento que ele apresenta um convite para o rapaz. O homem levanta-se de sua cadeira, e ajeita seu terno.
“Já é tarde, mas o hospital demora para fechar. Eu creio que agendar uma visita para conhecer as instalações pode levar muito tempo, então...” Ele estende sua mão para Edgar, e faz a oferta.
“O senhor gostaria de conhecer o hospital?”
Para dissipar todas as dúvidas que ele poderia ter, o homem leva Edgar em um passeio por todas as alas, demonstrando como seus temores eram infundados. Até mesmo alas restritas e desativadas foram apresentadas, causando um alivio em seu coração.
Após alguns minutos, o diretor logo chama a atenção dele, para irem embora antes que acabem ficando presos, e tenham que enfrentar todo o transtorno de ligar para a segurança e solicitar ajuda... Mas algo estranho acaba passando despercebido por Edgar, pois o homem fala com um tom estranho quando se refere à ficar preso ali.
É como se ele estivesse desesperado, como se aguardasse por algo. “Deve ser só o estresse de um dia inteiro aqui” pensa ele, sem dar a devida atenção ao real motivo da agitação do homem. Como não está nem aí para o tempo, Edgar acaba pedindo para usar o banheiro antes de partirem. Eles passam por um sanitário enquanto andam apressados para saírem dali, mas o diretor aconselha-o em usar os da frente, ou até mesmo do lado de fora.
“Desculpe, mas estou apertado demais para agüentar andar até outro banheiro. Eu não me demoro muito, apenas espere um pouco, por favor!” . O diretor respeita a vontade de Edgar, e garante que vai esperar ao lado de fora até que esteja pronto. Nesse momento, o desespero desaparece, e um sorriso sinistro toma seu lugar.
Dentro do sanitário, ele lava seu rosto, e se encara no espelho. Seus olhos azuis estão cansados após correr tanto atrás de respostas para perguntas sem cabimento, e o que ele mais deseja é chegar em casa para sua esposa e filhos. Sozinho com seus pensamentos, ele percebe que o silencio em todo o prédio é estranhamente predominante.
Salvo alguns barulhos de portas abrindo e fechando e alguns sons estranhos entre os corredores, tudo está quieto demais. “Faz tanto barulho quanto uma casa velha... Não me admira as pessoas terem medo de tais lugares, mentes mais fracas tendem a creditar tudo ao sobrenatural...” Edgar solta uma leve gargalhada, pensando em como seria engraçado uma equipe de caçadores de fantasmas invadindo o local e perdendo uma noite inteira só gravando sons naturais da construção.
Após divagar por alguns instantes, ele se alivia no mictório, e lava suas mãos. Antes de sair do banheiro, ele ouve uma batida forte em uma porta, e algo como um gemido, como uma reclamação. “Caramba, ele está tão apressado assim? Poderia ao menos bater na porta para me chamar... Enfim, vamos logo embora desse hospital.”
A porta, que antes havia aberto sem dificuldades, agora parece mais pesada. Com um pouco de esforço, Edgar consegue abri-la, e finalmente está do lado de fora. As luzes do corredor estão fracas, piscando vacilantes. As paredes estão manchadas de um modo estranho, mas isso também pode ser o efeito da iluminação.
“Mas... Essa ala não estava desse jeito quando entrei aqui! Isso é realmente estranho... Bem, tenho que achar logo o diretor, senão acabo preso aqui!” Ignorando os fatos ao seu redor, ou talvez fingindo não acreditar, ele prossegue pelo caminho por onde acredita que o diretor passou.
O corredor continua por alguns metros, e todas as paredes parecem manchadas do mesmo jeito. Mas, a medida que ele anda, percebe que existem mais detalhes estranhos: Macas abandonadas, caídas de cabeça para baixo, cadeiras de roda arrebentadas e enferrujadas.
As portas de ambos os lados da passagem estão abertas, algumas revelando salas normais, outras com quartos totalmente bagunçados, e cheios de sujeira. Mas algo é recorrente em todos: Praticamente não há presença humana ali.
Edgar tenta se convencer, acreditando que está em alguma parte da ala abandonada que não lhe foi mostrada antes, mesmo tendo plena convicção de que viu tudo que tinha para ver anteriormente. Esse pensamento, infelizmente, não dura muito. Ao passar pela quinta porta, ele para na frente de uma que está trancada.
De seu interior, sons como gemidos mesclados com vozes em tom guturais escapam para fora, tornando tudo ainda mais macabro do que já estava. “Olá? Eu... Estou perdido, preciso encontrar a saída, pode me ajudar? Eu...”
Em resposta, a porta se abre sozinha. Em seu interior, trevas. Uma escuridão insondável , seguido de um odor horrível, uma mescla de carne apodrecida e um leve tom adocicado, muito forte. Na penumbra, algo se movimenta, e avança para a luz, mas a iluminação é tão precária que ele só consegue ver uma massa disforme.
Por mais cético que seja, a visão inexplicável gela seu sangue. E Edgar sabe o que precisa fazer: Correr. Fugir como se não houvesse amanhã.
E ele o faz, disparado pelo corredor extenso, enquanto a coisa sai da sala, um membro disforme que se estica até o outro lado do corredor, apoiando uma mão grotesca na porta que encostou. A voz gutural se alastra, seguida por gritos de medo e desespero.
“Nada disso pode ser real! Isso... Eu só posso ter herdado o mal da família, é claro! Eu sou um cirurgião, acredito na ciência! E agora, estou louco...” Edgar para de correr, e senta-se na primeira curva que passa. Ao seu redor, as paredes manchadas sangram, e as demais portas por perto se abrem lentamente.
O tremor da criatura se aproximando faz o reboco do teto cair a cada passo dado, e com isso as luzes aos poucos também vão ficando mais fracas. Algumas tomam uma tonalidade vermelha, assim como o sangue que jorra sem parar das paredes. Das portas, vultos encaram o pobre homem, pelas frestas.
Na primeira, á sua direita, uma senhora desfigurada tenta falar com Edgar. “Rapaz! Não se deixe vencer agora, você pode continuar e sair daqui! Ele... Ele está chegando, e quando estiver aqui, será seu fim!”
O médico,ainda sentado, lança um olhar insano para a figura ao seu lado, inclinando sua cabeça para poder enxergar quem lhe fala pela fresta. “Chegando, chegando... A senhora também sofre do mal? Estamos todos loucos juntos aqui, não é? É claro, isso é um asilo! O que eu estou pensando!”
Desajeitado, Edgar levanta-se, e faz uma desastrosa reverencia para a senhora da porta, quase escorregando na poça de sangue que está aos seus pés. “ Mas que porcaria de lugar bagunçado! Olhe só, quanto tempo deve levar para alguém limpar todo esse sangue? Eu vou falar com esse diretor, ah se vou... Ei, você viu o diretor?”
Agora ele se dirige á outra porta, onde um homem mais velho que a senhora o encara com muita tristeza. “Eu não creio, logo você! Pensei que isso acabaria com seu pai, mas agora até meu neto está aqui!” Sem se importar com a proximidade do monstro, o homem escancara a porta, e finalmente vislumbra Edgar, seu neto, completamente insano.
“Oh, vovô! O senhor está muito bem, na verdade muito bem para quem acabou de morrer! Olha só, não tem nem cicatrizes!“
“Você duvidou... Acabou tornando-se mais cético que todos nós, e mesmo nesse momento está se negando à verdade!” Por mais que fale, e demonstre preocupação, o senhor percebe que nada adianta. Edgar, seu neto, está perdido. Não há nada que possa ser feito, apenas... Aguardar.
Mais perto. A única distancia entre ele e o monstro é a curva do corredor. Pelas lâmpadas vermelhas, pode-se ver a sombra chegando... E o último estrondo. A mão disforme agarra a parede, impulsionando o resto de seu corpo deformado para dentro do corredor.
“Oh, diretor! O que houve, está tão estranho? Vê, eu estava lhe procurando, olhe só o estado desse lugar...” Edgar delira. E isso é muito melhor que encarar a besta disforme à sua frente... Mas assim que é agarrado, essa ilusão desaparece. A mão envolve todo seu corpo, com uma força indescritível.
Ele entra em pânico. E finalmente entende: Não está louco. Não herdou mal algum de seus parentes, e tudo o que está acontecendo é real, terrivelmente real. As pessoas que viram a cena não podem fazer nada, apenas retornam para seus quartos, incluindo seu avô.
Edgar tenta se livrar, chuta, esperneia, mas o monstro só continua puxando-o para as trevas, e em pouco tempo, toda a extensão do braço anormalmente grande se recolhe pelo mesmo caminho de onde veio, para a sala de onde saiu. Edgar é levado com ele, e assim que a porta se fecha, o ambiente do hospital volta ao normal. Após alguns minutos, a figura do diretor sai pela porta, ajeitando seu terno, e pode-se ver a plaqueta indicando a sala: Triagem de pacientes.
....................................
Paredes acolchoadas. Camisa de força. Esses foram seus companheiros durante as duas primeiras semanas, e claro, auxiliaram muito mais para deixá-lo pior do que estava. Olhos arregalados, nervosismo e medo de tudo. Edgar saiu dessa ala em cinco semanas, e logo foi permitido ficar junto com os outros pacientes.
“Não! Eu não sou louco! A coisa está se alimentando de nós! Ela levou meu avô, em breve vai levar todos, me escutem! É o diretor! É ele!” A mesma frase repetida incansavelmente, para os loucos e também para os médicos, psiquiatras e todos que lhe perguntassem qualquer coisa.
Depois de um mês, as visitas foram permitidas. Sua irmã foi a primeira pessoa, mas uma reação violenta contra ela garantiu que ficasse mais tempo confinado, com medicamentos fortes e isolado por um tempo. E então, depois de mais um mês, a visita de sua esposa, finalmente. E para ela, a mesma frase que repetia, mas com maiores detalhes: O monstro disforme de braço gigante, e seu avô, aparentemente vivo em um dos quartos da ala abandonada que só ganhava vida à noite.
“Entendo que o senhor fez seu trabalho, e o ajudou muito, mas... Realmente, o que aconteceu com ele?” Amanda, a esposa de Edgar, finalmente pode visitar seu marido, após dois meses de internamento. E após uma conversa com ele, algo no fundo de seu coração dizia que não estava louco.
“É algo que tentamos descobrir, senhora Amanda. Á principio, acreditamos ser esquizofrenia, assim como seu pai e avô tiveram antes dele. As... Alucinações que ele nos apresenta são bizarras, mas seguem o mesmo padrão de seus parentes. Poderia ser a culpa pela morte do avô, já que seu pai o acusou como responsável por isso...”
“Sim, e isso acaba de me lembrar mais um detalhe. Foi devido a essa acusação que ele primeiramente decidiu ficar aqui naquela noite, já que desconfiava do tratamento dispensado pelo hospital. O que quero saber,é... Eu não quero acusar ninguém aqui. Como advogada, estou apenas fazendo o que sei de melhor em um momento tão grave. O senhor tem certeza de que nada aconteceu?As histórias dele sobre a ‘coisa’ que se alimenta da sanidade dos outros...”
“Entendo, o mesmo delírio do avô e do pai. A tendência na maioria das vezes é que encarem os profissionais que os tratam como monstros, mas nesse caso dirigem essa descrição a mim. Talvez, pelo fato de estar destoante do ambiente, com um terno enquanto todos estão vestindo jalecos, gere algum desconforto, alguma desconfiança... Realmente não sei o que pode acionar isso, mas estamos tentando descobrir.”
Os olhos de Amanda não apontam um desafio ou acusação contra a figura do homem, mas sim a súplica por qualquer resposta que seja. Mesmo que algo terrível tenha acontecido, ela precisa saber. A próxima resposta vem de um modo praticamente automático, como a mesma fornecida para Edgar anteriormente.
“Sim. O corpo dessa clinica é integro, assim como viu em suas fichas. São boas pessoas, e posso jurar que o tratamento vai de encontro ás necessidades deles. Sei que não é de grande ajuda o que digo, mas tenha a certeza de que estamos fazendo de tudo para a recuperação de Edgar.”
Esgotada, triste e preocupada, Amanda aceita a resposta, e desaba em lágrimas. Em meio ao seu pranto, ela consegue dizer apenas “Obrigado!”, com alguma luz de paz em sua mente. O diretor, levantando-se da sua cadeira, ajeita seu terno novamente.
“Já é tarde, mas o hospital demora para fechar. Eu creio que agendar uma visita para conhecer as instalações pode levar muito tempo, então...” Ele estende sua mão para Amanda, e com um sorriso mascarado de compaixão, faz a oferta.
“A senhora gostaria de conhecer o hospital?”
A noite era chuvosa. Gotas grossas e pesadas, com uma ventania forte o suficiente para causar danos em áreas desprotegidas e moradias precárias. Por azar, seu carro estava no mecânico, e levar seu pai embora em tal tempestade estava fora de cogitação. Mesmo assim, ele aprontou as coisas dele, ajudando-o com as roupas, e o deixou sentado na recepção da clinica.
Ligando para seu irmão, pediu para ele buscá-lo, mas deixou claro que ainda não iria: As palavras de seu pai não paravam de ecoar em sua cabeça, e disso surgia a ideia de que o hospital poderia estar negligenciando seus pacientes, algo que estava disposto a descobrir antes do final da noite.
Em poucos minutos, Alison, seu irmão, chegou até o local, que já começava a ficar vazio, com pouquíssimos pacientes ou funcionários perambulando. Eles tiveram uma breve conversa, sobre a dor de perder seu avô, e após tomarem algumas xicaras de café, decidiram por tomar seus caminhos, Alison levando o pai para sua casa, e Edgar partindo atrás de respostas.
Já passava de oito horas da noite quando ele conseguiu sua primeira chance de falar com alguém da diretoria do hospital. Ele explicou toda a situação, e não se enrolou para informar logo o que desconfiava. O diretor, longe de transparecer preocupação, acalmou o homem, explicando o funcionamento do hospital e suas regras.
“O corpo dessa clinica é integro, assim como viu em suas fichas. São boas pessoas, e posso jurar que o tratamento vai de encontro ás necessidades deles. Sei que não é de grande ajuda o que digo, mas tenha a certeza de que estamos fazendo de tudo para a recuperação de seu pai e seu avô”.
Estressado, Edgar não sabe o que pensar, mas a primeira coisa que faz é pedir desculpas pelo seu comportamento até agora. Mas mesmo assim ele ainda ostenta um ar de preocupação.
“Eu peço desculpas por tudo que fiz, senhor! Eu... Apenas estou nervoso, não queria levantar um falso testemunho contra você ou o corpo da clinica. Peço que me perdoe, se o ofendi.”
O diretor o consola com palavras de ânimo, e até conta sua história de vida, sobre como sofreu com familiares na mesma situação que o pai e avô de Edgar. A conversa dura bastante tempo, e os dois só percebem isso quando já passa das dez horas da noite.
É nesse momento que ele apresenta um convite para o rapaz. O homem levanta-se de sua cadeira, e ajeita seu terno.
“Já é tarde, mas o hospital demora para fechar. Eu creio que agendar uma visita para conhecer as instalações pode levar muito tempo, então...” Ele estende sua mão para Edgar, e faz a oferta.
“O senhor gostaria de conhecer o hospital?”
Para dissipar todas as dúvidas que ele poderia ter, o homem leva Edgar em um passeio por todas as alas, demonstrando como seus temores eram infundados. Até mesmo alas restritas e desativadas foram apresentadas, causando um alivio em seu coração.
Após alguns minutos, o diretor logo chama a atenção dele, para irem embora antes que acabem ficando presos, e tenham que enfrentar todo o transtorno de ligar para a segurança e solicitar ajuda... Mas algo estranho acaba passando despercebido por Edgar, pois o homem fala com um tom estranho quando se refere à ficar preso ali.
É como se ele estivesse desesperado, como se aguardasse por algo. “Deve ser só o estresse de um dia inteiro aqui” pensa ele, sem dar a devida atenção ao real motivo da agitação do homem. Como não está nem aí para o tempo, Edgar acaba pedindo para usar o banheiro antes de partirem. Eles passam por um sanitário enquanto andam apressados para saírem dali, mas o diretor aconselha-o em usar os da frente, ou até mesmo do lado de fora.
“Desculpe, mas estou apertado demais para agüentar andar até outro banheiro. Eu não me demoro muito, apenas espere um pouco, por favor!” . O diretor respeita a vontade de Edgar, e garante que vai esperar ao lado de fora até que esteja pronto. Nesse momento, o desespero desaparece, e um sorriso sinistro toma seu lugar.
Dentro do sanitário, ele lava seu rosto, e se encara no espelho. Seus olhos azuis estão cansados após correr tanto atrás de respostas para perguntas sem cabimento, e o que ele mais deseja é chegar em casa para sua esposa e filhos. Sozinho com seus pensamentos, ele percebe que o silencio em todo o prédio é estranhamente predominante.
Salvo alguns barulhos de portas abrindo e fechando e alguns sons estranhos entre os corredores, tudo está quieto demais. “Faz tanto barulho quanto uma casa velha... Não me admira as pessoas terem medo de tais lugares, mentes mais fracas tendem a creditar tudo ao sobrenatural...” Edgar solta uma leve gargalhada, pensando em como seria engraçado uma equipe de caçadores de fantasmas invadindo o local e perdendo uma noite inteira só gravando sons naturais da construção.
Após divagar por alguns instantes, ele se alivia no mictório, e lava suas mãos. Antes de sair do banheiro, ele ouve uma batida forte em uma porta, e algo como um gemido, como uma reclamação. “Caramba, ele está tão apressado assim? Poderia ao menos bater na porta para me chamar... Enfim, vamos logo embora desse hospital.”
A porta, que antes havia aberto sem dificuldades, agora parece mais pesada. Com um pouco de esforço, Edgar consegue abri-la, e finalmente está do lado de fora. As luzes do corredor estão fracas, piscando vacilantes. As paredes estão manchadas de um modo estranho, mas isso também pode ser o efeito da iluminação.
“Mas... Essa ala não estava desse jeito quando entrei aqui! Isso é realmente estranho... Bem, tenho que achar logo o diretor, senão acabo preso aqui!” Ignorando os fatos ao seu redor, ou talvez fingindo não acreditar, ele prossegue pelo caminho por onde acredita que o diretor passou.
O corredor continua por alguns metros, e todas as paredes parecem manchadas do mesmo jeito. Mas, a medida que ele anda, percebe que existem mais detalhes estranhos: Macas abandonadas, caídas de cabeça para baixo, cadeiras de roda arrebentadas e enferrujadas.
As portas de ambos os lados da passagem estão abertas, algumas revelando salas normais, outras com quartos totalmente bagunçados, e cheios de sujeira. Mas algo é recorrente em todos: Praticamente não há presença humana ali.
Edgar tenta se convencer, acreditando que está em alguma parte da ala abandonada que não lhe foi mostrada antes, mesmo tendo plena convicção de que viu tudo que tinha para ver anteriormente. Esse pensamento, infelizmente, não dura muito. Ao passar pela quinta porta, ele para na frente de uma que está trancada.
De seu interior, sons como gemidos mesclados com vozes em tom guturais escapam para fora, tornando tudo ainda mais macabro do que já estava. “Olá? Eu... Estou perdido, preciso encontrar a saída, pode me ajudar? Eu...”
Em resposta, a porta se abre sozinha. Em seu interior, trevas. Uma escuridão insondável , seguido de um odor horrível, uma mescla de carne apodrecida e um leve tom adocicado, muito forte. Na penumbra, algo se movimenta, e avança para a luz, mas a iluminação é tão precária que ele só consegue ver uma massa disforme.
Por mais cético que seja, a visão inexplicável gela seu sangue. E Edgar sabe o que precisa fazer: Correr. Fugir como se não houvesse amanhã.
E ele o faz, disparado pelo corredor extenso, enquanto a coisa sai da sala, um membro disforme que se estica até o outro lado do corredor, apoiando uma mão grotesca na porta que encostou. A voz gutural se alastra, seguida por gritos de medo e desespero.
“Nada disso pode ser real! Isso... Eu só posso ter herdado o mal da família, é claro! Eu sou um cirurgião, acredito na ciência! E agora, estou louco...” Edgar para de correr, e senta-se na primeira curva que passa. Ao seu redor, as paredes manchadas sangram, e as demais portas por perto se abrem lentamente.
O tremor da criatura se aproximando faz o reboco do teto cair a cada passo dado, e com isso as luzes aos poucos também vão ficando mais fracas. Algumas tomam uma tonalidade vermelha, assim como o sangue que jorra sem parar das paredes. Das portas, vultos encaram o pobre homem, pelas frestas.
Na primeira, á sua direita, uma senhora desfigurada tenta falar com Edgar. “Rapaz! Não se deixe vencer agora, você pode continuar e sair daqui! Ele... Ele está chegando, e quando estiver aqui, será seu fim!”
O médico,ainda sentado, lança um olhar insano para a figura ao seu lado, inclinando sua cabeça para poder enxergar quem lhe fala pela fresta. “Chegando, chegando... A senhora também sofre do mal? Estamos todos loucos juntos aqui, não é? É claro, isso é um asilo! O que eu estou pensando!”
Desajeitado, Edgar levanta-se, e faz uma desastrosa reverencia para a senhora da porta, quase escorregando na poça de sangue que está aos seus pés. “ Mas que porcaria de lugar bagunçado! Olhe só, quanto tempo deve levar para alguém limpar todo esse sangue? Eu vou falar com esse diretor, ah se vou... Ei, você viu o diretor?”
Agora ele se dirige á outra porta, onde um homem mais velho que a senhora o encara com muita tristeza. “Eu não creio, logo você! Pensei que isso acabaria com seu pai, mas agora até meu neto está aqui!” Sem se importar com a proximidade do monstro, o homem escancara a porta, e finalmente vislumbra Edgar, seu neto, completamente insano.
“Oh, vovô! O senhor está muito bem, na verdade muito bem para quem acabou de morrer! Olha só, não tem nem cicatrizes!“
“Você duvidou... Acabou tornando-se mais cético que todos nós, e mesmo nesse momento está se negando à verdade!” Por mais que fale, e demonstre preocupação, o senhor percebe que nada adianta. Edgar, seu neto, está perdido. Não há nada que possa ser feito, apenas... Aguardar.
Mais perto. A única distancia entre ele e o monstro é a curva do corredor. Pelas lâmpadas vermelhas, pode-se ver a sombra chegando... E o último estrondo. A mão disforme agarra a parede, impulsionando o resto de seu corpo deformado para dentro do corredor.
“Oh, diretor! O que houve, está tão estranho? Vê, eu estava lhe procurando, olhe só o estado desse lugar...” Edgar delira. E isso é muito melhor que encarar a besta disforme à sua frente... Mas assim que é agarrado, essa ilusão desaparece. A mão envolve todo seu corpo, com uma força indescritível.
Ele entra em pânico. E finalmente entende: Não está louco. Não herdou mal algum de seus parentes, e tudo o que está acontecendo é real, terrivelmente real. As pessoas que viram a cena não podem fazer nada, apenas retornam para seus quartos, incluindo seu avô.
Edgar tenta se livrar, chuta, esperneia, mas o monstro só continua puxando-o para as trevas, e em pouco tempo, toda a extensão do braço anormalmente grande se recolhe pelo mesmo caminho de onde veio, para a sala de onde saiu. Edgar é levado com ele, e assim que a porta se fecha, o ambiente do hospital volta ao normal. Após alguns minutos, a figura do diretor sai pela porta, ajeitando seu terno, e pode-se ver a plaqueta indicando a sala: Triagem de pacientes.
....................................
Paredes acolchoadas. Camisa de força. Esses foram seus companheiros durante as duas primeiras semanas, e claro, auxiliaram muito mais para deixá-lo pior do que estava. Olhos arregalados, nervosismo e medo de tudo. Edgar saiu dessa ala em cinco semanas, e logo foi permitido ficar junto com os outros pacientes.
“Não! Eu não sou louco! A coisa está se alimentando de nós! Ela levou meu avô, em breve vai levar todos, me escutem! É o diretor! É ele!” A mesma frase repetida incansavelmente, para os loucos e também para os médicos, psiquiatras e todos que lhe perguntassem qualquer coisa.
Depois de um mês, as visitas foram permitidas. Sua irmã foi a primeira pessoa, mas uma reação violenta contra ela garantiu que ficasse mais tempo confinado, com medicamentos fortes e isolado por um tempo. E então, depois de mais um mês, a visita de sua esposa, finalmente. E para ela, a mesma frase que repetia, mas com maiores detalhes: O monstro disforme de braço gigante, e seu avô, aparentemente vivo em um dos quartos da ala abandonada que só ganhava vida à noite.
“Entendo que o senhor fez seu trabalho, e o ajudou muito, mas... Realmente, o que aconteceu com ele?” Amanda, a esposa de Edgar, finalmente pode visitar seu marido, após dois meses de internamento. E após uma conversa com ele, algo no fundo de seu coração dizia que não estava louco.
“É algo que tentamos descobrir, senhora Amanda. Á principio, acreditamos ser esquizofrenia, assim como seu pai e avô tiveram antes dele. As... Alucinações que ele nos apresenta são bizarras, mas seguem o mesmo padrão de seus parentes. Poderia ser a culpa pela morte do avô, já que seu pai o acusou como responsável por isso...”
“Sim, e isso acaba de me lembrar mais um detalhe. Foi devido a essa acusação que ele primeiramente decidiu ficar aqui naquela noite, já que desconfiava do tratamento dispensado pelo hospital. O que quero saber,é... Eu não quero acusar ninguém aqui. Como advogada, estou apenas fazendo o que sei de melhor em um momento tão grave. O senhor tem certeza de que nada aconteceu?As histórias dele sobre a ‘coisa’ que se alimenta da sanidade dos outros...”
“Entendo, o mesmo delírio do avô e do pai. A tendência na maioria das vezes é que encarem os profissionais que os tratam como monstros, mas nesse caso dirigem essa descrição a mim. Talvez, pelo fato de estar destoante do ambiente, com um terno enquanto todos estão vestindo jalecos, gere algum desconforto, alguma desconfiança... Realmente não sei o que pode acionar isso, mas estamos tentando descobrir.”
Os olhos de Amanda não apontam um desafio ou acusação contra a figura do homem, mas sim a súplica por qualquer resposta que seja. Mesmo que algo terrível tenha acontecido, ela precisa saber. A próxima resposta vem de um modo praticamente automático, como a mesma fornecida para Edgar anteriormente.
“Sim. O corpo dessa clinica é integro, assim como viu em suas fichas. São boas pessoas, e posso jurar que o tratamento vai de encontro ás necessidades deles. Sei que não é de grande ajuda o que digo, mas tenha a certeza de que estamos fazendo de tudo para a recuperação de Edgar.”
Esgotada, triste e preocupada, Amanda aceita a resposta, e desaba em lágrimas. Em meio ao seu pranto, ela consegue dizer apenas “Obrigado!”, com alguma luz de paz em sua mente. O diretor, levantando-se da sua cadeira, ajeita seu terno novamente.
“Já é tarde, mas o hospital demora para fechar. Eu creio que agendar uma visita para conhecer as instalações pode levar muito tempo, então...” Ele estende sua mão para Amanda, e com um sorriso mascarado de compaixão, faz a oferta.
“A senhora gostaria de conhecer o hospital?”